27/09/2013
Entrevista: IBM está a transformar Lisboa e Porto em cidades inteligentes
Desde que lançou o conceito de cidade inteligente, a IBM já tem cerca de 2000 projetos espalhados por todo o mundo. Em entrevista ao Portal das Energias Renováveis, António Pires dos Santos, Smarter Cities Business Development Executive IBM Portugal, conta como é que a empresa está a transformar as duas maiores cidades do país para melhor servir o cidadão.
PER: A IBM registou a expressão smarter city. Em que é que consiste?
António Pires dos Santos: Na IBM definimos uma smarter city ou cidade inteligente como sendo aquela que impulsiona o crescimento económico sustentável, através de uma análise integrada das informações de todas as agências da cidade e departamentos. Só desta forma se consegue tomar melhores decisões e antecipar problemas, resolvendo-os de forma proativa e minimizando o seu impacto, aplicando uma coordenação dos recursos existentes e dos processos, para responder aos eventos de uma forma rápida e eficaz. As cidades geralmente já possuem sistemas de saneamento, serviços públicos, habitação, segurança, transportes, e muito mais. Mas uma Cidade Inteligente é aquela que consegue criar um equilíbrio adequado entre as necessidades sociais, comerciais e ambientais, otimizando os recursos que tem disponíveis para o benefício de seus cidadãos.
As cidades inteligentes são autossuficientes em termos energéticos através de fontes renováveis? Se sim, quais as fontes mais utilizadas?
A cidade inteligente tira o melhor partido das diferentes fontes de energia disponíveis e poderá otimizar a geração de energia face do consumo. No que se refere em concreto à poupança de energia e ao uso de energias renováveis, muito se tem feito na área das smart grids [comunicação inteligente entre todos os usuários da cadeia de conversão de energia]. Hoje as utilities enfrentam desafios comuns aos das cidades que passam por medidas transversais e que refletem preocupações como a redução de emissões de CO2 e integração de geração distribuída. Na Dinamarca, por exemplo, a IBM estabeleceu uma parceria com alguma utilities para o projeto EDISON, destinada a desenvolver uma infraestrutura inteligente que está a trabalhar para tornar possível uma maior adesão aos veículos elétricos alimentados por energia renovável, sobretudo energia eólica. Um outro exemplo está aqui mesmo ao lado, em Espanha, e diz respeito à cidade de Málaga. Trata-se de um projeto focado na obtenção da integração ótima de energia renovável na rede elétrica e na aproximação do consumidor à produção de energia através de novos modelos de gestão elétrica.
Quais as medidas de eficiência energética mais decisivas nas cidades inteligentes?
Ao considerarmos as estatísticas, verificamos que as cidades de hoje consomem aproximadamente 75 por cento da energia do mundo, emitem mais de 80 por cento dos gases que provocam efeito de estufa e desperdiçam cerca de 20 por cento da água fornecida devido a falhas na infraestrutura. Mas o mais preocupante ainda é que as cidades estão a assistir a uma explosão populacional determinante para a gestão atual e futura dos recursos, cada vez mais escassos mas essenciais para se tornarem em lugares melhores para se viver. De facto, estima-se que, todas as semanas, um milhão de pessoas rumem em direção às cidades de todo o mundo, e que, em 2050, a população mundial a viver em cidades passe dos atuais 3,3 mil milhões de habitantes para 6,4 mil milhões. Esta realidade coloca uma pressão enorme na infraestrutura das cidades e será através de soluções de edifícios inteligentes associadas a soluções de contadores inteligentes, entre outras, que se irá poder contribuir para uma maior eficiência energética.
As cidades inteligentes são pensadas para as pessoas andarem mais a pé e não perderem tempo no trânsito. Que outras medidas relacionadas com a mobilidade têm pensadas para melhorar o ambiente?
Um sistema integrado de transportes tira partido da informação em tempo real para criar soluções de mobilidade adequadas a cada cidadão. Relacionando a informação obtida por sensores, colocados nos transportes, e, por exemplo, através das redes sociais, podemos ter uma melhor visualização sobre os problemas existentes e recomendar soluções adequadas. Em Estocolmo foi implementado um sistema de gestão de tráfego inteligente que reduziu em 20 por cento os veículos que entram na cidade. Isto permitiu reduzir em 12 por cento a emissão de gases de efeito estufa, aumentar em sete por cento a utilização de transportes públicos, reduzir o número de acidentes de viação e, por fim, melhorar a eficiência e a qualidade de vida dos cidadãos.
Quantos projetos de cidades inteligentes tem a IBM e quantos é que já estão implementados e em que locais?
Já liderámos cerca de 2000 de projetos em todo o mundo, nos cinco continentes, desde São Francisco, nos Estados Unidos, a Wave City, na Índia, passando por Estocolmo, na Suécia, ou Málaga. A IBM está a ajudar cidades em todo o mundo com soluções, por exemplo, para reduzir o tráfego e, por conseguinte, a poluição, digitalizar os registos de saúde para melhorar o serviço ao paciente, melhorar o acesso e a qualidade da educação, melhorar os sistemas de vigilância para reduzir o índice criminal, gerir a energia de forma mais eficiente ou melhorar a qualidade, o fornecimento e o acesso à água.
Qual o melhor exemplo de cidade inteligente no qual a IBM participa?
É sempre difícil selecionar o melhor exemplo porque cada cidade é um caso específico. Podemos falar de centenas, senão de milhares de projetos de cidades inteligentes de sucesso, mas por ser aquela que mais próxima culturalmente está de nós, referirei o caso do Rio de Janeiro. Esta cidade do Brasil é um excelente exemplo de como o uso da tecnologia pode aumentar a segurança de uma cidade e coordenar de forma mais eficiente a organização dos recursos. O Rio de Janeiro será a sede, nos próximos anos, de dois eventos de grande projeção internacional, o Mundial de Futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 e, para prevenir algumas situações de risco, foi decidida a criação de um Centro de Operações que fornece uma visão integrada da cidade e permite uma resposta imediata a situações de emergência. Com 300 ecrãs, 70 controladores, que observam a cidade a partir de imagens de alta resolução, e 400 funcionários é possível integrar, em tempo real, os 30 departamentos municipais e organizações governamentais e tomar decisões eficientes com base em 215 diferentes pontos de ação.
Uma sala de controle como essa pode levantar problemas de proteção de privacidade junto dos cidadãos?
Existe legislação adequada que protege a privacidades dos cidadãos e que, como é de esperar, é sempre seguida rigorosamente em todos os projetos da IBM.
Qual é o maior desafio na construção de cidades inteligentes?
A IBM quer ajudar a transformar os atuais centros urbanos em cidades inteligentes, capazes de colocar à disposição dos seus habitantes infraestruturas que proporcionem serviços inteligentes de transportes, saúde, educação, segurança pública, e, claro, energia e água, fazendo uso da tecnologia para responder às necessidades crescentes das populações e melhorando a qualidade de vida de cada cidadão. Só por si, este é um desafio enorme e para o qual se torna importante a criação de redes colaborativas adequadas, suportadas por uma liderança forte da parte dos governantes locais.
Alguns especialistas dizem que os cidadãos estão a ser deixados de fora deste processo. Como é que a IBM tem envolvido os cidadãos na restruturação das cidades?
Os cidadãos são a razão e o motivo deste modelo. Sem eles nós não falaríamos do conceito Smart. E daí a importância de saber concretamente quais os aspetos mais problemáticos da vida na cidade. Esta questão assume uma nova dimensão nos nossos dias, dado que as empresas de tecnologia podem contar agora com um fator de valor incalculável: a informação. Os 900 milhões de utilizadores ativos do Facebook – mais de 10% da população mundial – ou os 140 milhões do Twitter revelam sem se aperceberem muitos dos aspetos que há a melhorar nas cidades. Fruto deste compromisso surgem iniciativas como o CovJam, uma troca de ideias coletiva que permitiu, durante três dias, estudar através de 2.000 comentários de cidadãos, empresas e entidades públicas, como a cidade inglesa de Coventry poderia ser mais inteligente. A tecnologia da IBM conseguiu compilar e extrair informações valiosas para os gestores que se escondiam por entre os milhares de dados não estruturados que tinham sido publicados.
Que tipo de catástrofes é que uma cidade inteligente consegue evitar?
Não nos parece que exista tecnologia que consiga evitar catástrofes. Existe sim a possibilidade de usar tecnologia para ajudar a preparar as cidades para as situações de catástrofe, podendo mitigar as consequências, coordenar a resposta e a recuperação. Voltando ao exemplo do Rio de Janeiro, a câmara da cidade decidiu melhorar a coordenação dos sistemas da cidade de resposta a emergências, não só para melhor atuar frente a possíveis catástrofes, mas também para ir mais além e poder prever, dentro do possível, o seu aparecimento e, dessa forma, minimizar os danos. O centro de operações da cidade recolhe e partilha em tempo real dados sobre o clima, a rede elétrica, o estado dos edifícios, os sistemas de transporte e da rede fluvial da cidade. E, efetivamente, mediante a utilização avançada de software analítico, o município pode prever a chegada das chuvas e o seu potencial impacto, com um nível de exatidão impressionante – estamos a falar de apenas um quilómetro quadrado. Estamos a falar da capacidade que o centro tem em alertar as populações em tempo útil para possíveis aluimentos de terras, devido às fortes chuvadas que se fazem sentir na região em determinados períodos do ano. Isso permite-lhes agir em antecipação, precavendo e tentando minimizar situações catastróficas como a que se registou naquela região em abril de 2010, que provocou 48 vítimas mortais só na cidade do Rio de Janeiro.
Têm algum projeto deste género previsto para Portugal?
Estamos já a trabalhar com Lisboa e Porto com o objetivo de transformar as duas maiores cidades portuguesas em cidades inteligentes. No final do mês de agosto, a IBM participou na realização de um simulacro de incêndio urbano na zona envolvente à Baixa/Chiado, em Lisboa, numa evocação aos 25 anos sobre o grande incêndio do Chiado. Durante o simulacro, a IBM teve uma equipa de operacionais no terreno que testaram uma plataforma móvel, colaborativa e em tempo real, desenvolvida nos últimos meses com a Câmara Municipal de Lisboa e o Regimento de Sapadores Bombeiros e acessível via web, onde se agregaram dados de vários sistemas e organismos públicos e privados. Esta solução permitiu coordenar uma resposta eficaz a uma simulação de emergência, numa situação idêntica à vivida há 25 anos. A plataforma, desenhada e desenvolvida com software IBM, Intelligent Operations Center (IOC), lançou o alerta sobre o evento, comunicando aos vários intervenientes, nomeadamente empresas na área dos transportes, banca e redes de abastecimento de água e energia, a progressão do incêndio e a necessidade de tomar medidas efetivas em conformidade com o Comando Municipal de Operações de Socorro. O simulacro foi um sucesso e uma das principais conclusões foi a de que, a ser uma realidade, o mesmo incidente ficaria resolvido em duas horas. Já no Porto, a IBM assinou um protocolo de cooperação com a Câmara Municipal que visa a criação de um Centro de Operações Integrado (COI), que reunirá serviços da autarquia e de entidades externas com o objetivo de visualizar e monitorizar as ocorrências de toda a cidade de uma forma integrada. Este projeto piloto procurará agregar e atribuir valor à informação proveniente de diferentes fontes, para responder de forma rápida e eficaz a qualquer situação de emergência. Esta colaboração prevê que o COI se possa transformar numa ferramenta de gestão da autarquia, proporcionando uma visão amplificada, para uma maior eficiência e operacionalidade na gestão diária da cidade. Está previsto que possa servir ainda de plataforma prestadora de serviços ao cidadão e às empresas, abrangendo inicialmente apenas a cidade e numa fase posterior toda a Área Metropolitana do Porto.
PER