02/02/2017
Portugal não vai cumprir as metas de renováveis até 2020
Portugal vai falhar as metas impostas pela Comissão Europeia, que definem um consumo de 60% de eletricidade a partir de energias renováveis em 2020, apesar do peso cada vez maior destas no consumo de eletricidade. A convicção é do presidente da Associação de Energias Renováveis (APREN).
Em entrevista ao Dinheiro Vivo, António Sá da Costa defende que “tem-se dito no mercado que temos cumprido as metas todas e que está tudo a correr muito bem, mas a verdade é que Portugal não vai conseguir cumprir os compromissos com Bruxelas”. Pelas contas da associação que representa 93% das empresas do setor, Portugal deverá chegar aos 57% a 58% de eletricidade produzida a partir de renováveis, perto da meta mas sem a alcançar. Isto porque Bruxelas utiliza a média ponderada de consumo dos últimos 15 anos e Portugal tem uma forte oscilação entre anos com muita chuva e anos secos – o ano passado, a energia com fontes hídricas ultrapassou o consumo de carvão, devido à chuva, o que elevou o valor total de energia a partir de renováveis para 64%.
O compromisso com a Comissão Europeia prevê que 31% do total da energia consumida seja a partir de fontes renováveis. Deste valor, 60% deve ser alcançado na eletricidade, 10% nos transportes e o restante no aquecimento e arrefecimento (de edifícios, por exemplo, responsável por grande parte do consumo). A maior fatia, está nos transportes (45%) e no aquecimento/arrefecimento (35%). Para Sá da Costa, Portugal deve atingir 27% a 28% do valor total, sendo que a eletricidade representa apenas um quarto do consumo.
Questionado sobre as razões para o não cumprimento, além das atmosféricas, Sá da Costa revela que “houve um forte abrandamento nos investimentos no setor”, devido sobretudo ao custo do dinheiro, “que foi e continua a ser muito elevado” e também devido “a uma perceção menos correta, quer do governo de Passos Coelho quer deste Governo, sobre as formas como deve ser remunerada a eletricidade”. Para o presidente da APREN, setores com maior expressão nas renováveis, como as eólicas, “não precisam de tarifas como tiveram no passado”.
E defende que se deve implementar um novo sistema de remuneração na eletricidade. “O sistema atual foi concebido há mais de 40 anos, quando tínhamos as centrais produtoras de eletricidade centralizadas, uma rede de transporte e uma rede de distribuição até chegar aos consumidores”. Esta produção era feita em grandes centrais térmicas e a remuneração da eletricidade era feita tendo em conta os custos marginais (os custos com combustível – gás natural ou petróleo – para o funcionamento da central, através de leilões diários. “Com as renováveis, o custo com combustível de uma central solar, por exemplo, é zero e portanto o custo marginal é zero. Isto significa que os promotores investem nas centrais para dar ao mercado o produto do seu fabrico”, o que não é economicamente viável.
Por isso mesmo, defende a criação de um sistema de leilão a priori, aproveitando a previsibilidade de produção das renováveis e já incluindo o custo de investimento e manutenção da central. “Temos condições para fazer este tipo de leilões se houvesse vontade política”, lembrando que este modelo é aceite pela União Europeia e praticado em vários países. “O Governo defende que tem de se ir a mercado e que custo de ir a mercado não compensa uma central solar nova, por exemplo”. A energia renovável a partir do solar representa apenas 1,5% do total do consumo e há grande potencial de crescimento.
Sá da Costa exemplifica: “A quantidade de sol que atinge o nosso país a sul do Tejo era suficiente, se fossem instalados painéis solares em 90% do território, para alimentar a Europa a 28, Suíça e a Noruega”. Nas contas da APREN até 2040 serão necessários 9 mil megawatts de solar e, por isso mesmo, este modelo de leilão poderia ser feito, numa fase inicial, por tecnologia, em lotes.
Investimentos congelados
Sá da Costa contesta ainda a decisão do Governo de cortar subsídios às renováveis no valor de 140 milhões de euros, por considerar que houve uma dupla tributação. “Não entendo. Não houve dupla subsidiação porque, quando foram lançados esses programas, o próprio ministro da Economia na altura disse que os apoios eram complementares”.
E critica a mudança nas regras “depois do jogo acabar”, em “processos auditados por entidades nacionais e em Bruxelas e que foram encerrados há mais de 10 anos”. Em causa está uma portaria que considera que há produtores de energias renováveis que beneficiaram de uma dupla subsidiação, identificadas através de um relatório da Direção-Geral de Energia e Geologia.
Estão em causa 140 milhões de euros a devolver: 70 milhões serão aplicados para baixar o défice tarifário e os outros 70 milhões contabilizados a favor das tarifas deste ano, com expectativa de impacto nos preços. “Não sei em que se baseou a decisão”, considera Sá da Costa, frisando que a APREN e vários associados estão a pedir, desde o dia da publicação da portaria, a 14 de outubro, para ver esse estudo, o que ainda não aconteceu. “Não sabemos, é um perfeito desconhecimento.”
O presidente da APREN não revela se os associados vão recorrer a tribunal para travar a decisão, mas revela que a decisão já teve um efeito negativo. “Um conjunto de associados que estavam a prever fazer determinado tipo de investimento já não o fizeram. Congelaram os investimentos e só estes de que tenho conhecimento somam 120 milhões de euros, fundamentalmente na área da eólica.”
Apesar de estes investimentos estarem congelados existem outros projetos em curso que António Sá da Costa defende que fazem sentido. Um deles é a interligação elétrica entre Portugal e Marrocos. O Governo quer lançar o concurso público para a construção no segundo semestre do ano, como noticiou o Dinheiro Vivo. “Quanto mais interligações existirem melhor. Hoje em dia Marrocos é abastecido por Espanha. Porque é que não havemos de ter o nosso abastecimento?”. Com a construção deste cabo submarino Portugal poderá exportar para Marrocos ou importar desta geografia quando for necessário, reduzindo a dependência de Espanha.
António Sá da Costa vai mais longe: “Se eu conseguir construir em Portugal centrais solares para vender por 45 ou 50 euros o megawatt e tendo em conta que foi feito um contrato no Reino Unido de 35 anos para a compra de energia nuclear a 115 euros por megawatt, então porque é que não hei-de ter um cabo que vá de Portugal a Inglaterra?”.
A tendência, defende, será cada vez mais a aposta nas renováveis e na economia da partilha. Até na mobilidade. Sá da Costa, que tem há ano e meio um carro elétrico, acredita que “a mobilidade no futuro vai ser uma Uber elétrica sem condutor”, com carros partilhados carregados por postos de abastecimento ou indução e que alterará a tipologia das cidades, fazendo desaparecer os parques de estacionamento. “Está tudo em evolução e temos de ter a mente suficientemente aberta para nos adaptarmos”.